Caso Usina Porto Rico – AL

Autores: Aline Cristina Leite¹; Caio Rodrigo Moura Santos², Iran Campello Normande¹; Luciana de Carvalho Salgueiro Silva²

Com o objetivo de proteger os meios de vida e a cultura das populações tradicionais, assim como garantir o uso sustentável dos recursos naturais, foi criada, ao sul da costa Alagoana, a Reserva Extrativista Marinha da Lagoa de Jequiá (RESEX de Jequiá), por meio do Decreto Federal de 27 de setembro de 2001. Com aproximadamente 10.203,79 hectares de áreas alagadas, a unidade contempla o território pesqueiro no qual as populações tradicionais das comunidades de Jequiá da Praia obtêm a sua principal fonte de renda e subsistência, e tem aproximadamente 2000 famílias cadastradas (ICMBio, 2013; ICMBio, 2020).

Figura 1 – Mapa com a localização geográfica da RESEX Marinha Lagoa do Jequiá em Alagoas.

A aproximadamente 09 km à montante da RESEX está localizado o parque industrial da Usina de Porto Rico, no município de Campo Alegre – AL, instalada às margens do rio Jequiá, principal afluente da laguna do Jequiá. Durante o processo para a produção do açúcar, um dos principais subprodutos é o melaço, o qual é composto por substâncias orgânicas e inorgânicas, que em contato com o corpo hídrico, pode tornar-se tóxico ou reduzir consideravelmente os níveis de oxigênio da água. (CASAGRANDE, 2006).

No dia 23 de novembro de 2020, foram divulgados nas redes sociais imagens de um suposto acidente na usina Porto Rico que teria acarretado um derramamento de melaço no rio Jequiá, o qual foi constatado pela equipe de Emergências Ambientais do IBAMA ao final do dia. O acidente foi ocasionado por uma explosão em um tanque da usina, que liberou uma grande quantidade de melaço atingindo o rio Jequiá, sendo carreado em direção a área da RESEX.

Horas após o evento, foi relatado pelos moradores que uma grande quantidade de peixes e crustáceos foi capturada pela população durante a madrugada, uma vez que, estava aparecendo na superfície e nas margens da lagoa, sendo facilmente capturados. Foram divulgadas diversas fotos de peixes mortos em abundância, capturados pelos pescadores e pescadoras, desde o rio Jequiá até a lagoa.  Os órgãos e parceiros envolvidos com a gestão da RESEX, incluindo a comunidade, realizaram coletas de amostras de água e organismos em diversos pontos. O conselho deliberativo da unidade de conservação foi acionado para acompanhar a situação.

Figura 2 – Mapa com área afetada pelo derramamento de melaço de cana-de-açúcar no rio Jequiá, atingindo a RESEX..

Em uma ação conjunta, uma série de medidas emergenciais foram adotadas imediatamente para mitigar os danos à UC, à biodiversidade e às populações tradicionais. Equipes técnicas do ICMBio, IBAMA, Batalhão de Polícia Ambiental (BPA-AL) e SEMMARH, em parceria com a UFAL, realizaram vistorias nas áreas afetadas e coletaram materiais para análises. O laudo preliminar concluiu que o derramamento de melaço ocasionou a diminuição dos níveis de oxigênio dissolvido na água, causando a morte dos peixes e crustáceos.

Durante uma semana de coleta na lagoa e no rio, foram retirados cerca de 700 kg de peixes mortos. Dentre eles, uma grande quantidade de espécies de importância econômica para a região, como Mororó (Gobioides broussonnetii), Piau (Leporinus spp.), Traíra, (Hoplias malabaricus) e Cumbá (Trachelyopterus galeatus). Além disso, foi realizado um levantamento socioeconômico para avaliar os impactos sobre a pesca artesanal. Diante da situação, a pesca nas áreas afetadas foi suspensa por cerca de uma semana após o derramamento, sendo recomendado, por precaução, a suspensão da atividade por ao menos duas semanas.

Figura 3 – Organismos coletados na beira da Laguna de Jequiá da Praia dois dias após o derramamento.

O caso se apresenta como um bom exemplo de injustiça socioambiental ocorrida recentemente no território alagoano, uma vez que a responsabilização efetiva só deve ocorrer após o trâmite dos processos administrativos e judiciais.  Entretanto, enquanto inicia a tramitação dos processos, os pescadores e pescadoras já sentem os prejuízos, expondo aqueles que dependem exclusivamente da lagoa à uma situação de vulnerabilidade. Além disso, deverão ainda se preocupar com os impactos gerados a longo prazo, principalmente relacionados aos estoques pesqueiros que possivelmente diminuirão.

Desta forma, certamente, as maiores perdas e prejuízos decorrentes do derramamento recairão sobre essa população, num clássico delineamento de situação de socialização dos danos, onde houve prévia privatização dos lucros (MORATO LEITE, 2015).

Visando a mobilização, a organização comunitária e o fortalecimento da comunidade, foram acionadas a Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (CONFREM) e a Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais. De forma organizada, busca-se demandar direitos por hora lesados face à injustiça gerada. Da mesma forma, inicia-se um trabalho que visa permitir discussões voltadas para futuras injustiças, tendo em vista a suscetibilidade às ameaças, frutos do modelo de desenvolvimento adotado. Assim, ainda se recuperando dos impactos do vazamento de petróleo na costa brasileira, que ocorreu a pouco mais de um ano atrás, e em plena a pandemia de COVID-19, mais uma vez esta população acumula um novo e desafiador problema socioambiental.

Referências

CASAGRANDE, C. A.; MOURA, J. M. S.; MARCONDES A. Efeitos Naturais E Antrópicos Nas Alterações Dos Teores De Oxigênio Dissolvido: Uma Comparação Entre As Bacias Do Rio Amazonas E Piracicaba. Revista Brasileira De Recursos Hídricos, V. 11, N. 4, P. 221-231, 2006.

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Relatório do processo de discussão do perfil da família beneficiária nas comunidades da Resex Jequiá. Alagoas. – AL. 2013.

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Cadastro oficial das famílias beneficiária da RESEX Marinha Lagoa do Jequiá. Alagoas.– AL. 2013

MARTINEZ-ALIER, Juan. (2001), “Justicia ambiental, sustentabilidad y valoración”. Ecologia Política – Cadernos de Debate Internacional, 21: 103-134, Barcelona, Icaria.    

MORATO LEITE, José Rubens (coord.). Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015.

ZHOURI, A (2008) Justiça Ambiental, Diversidade e Accountability. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 23 n.o 68 outubro/2008 São Paulo. SP.