Caso Ômega Energia – PI

Autora: Beatriz Matiuzzo

O Estado do Piauí apresenta o litoral menos extenso dentre os estados litorâneos brasileiros, com apenas 66 quilômetros de extensão. A área restrita acaba por potencializar conflitos socioambientais, especialmente a partir dos anos 2000, quando projetos de interesses econômicos diversos, seguindo a lógica da economia azul, começam a se estabelecer na região, alterando o ordenamento territorial construído ao longo de décadas pela população local.

Destaca-se o município de Ilha Grande e a Comunidade Pedra do Sal (parte do município de Parnaíba), ambos localizados no limite norte do litoral piauiense, nas proximidades do Delta do Parnaíba. Nessa região, empreendimentos ligados à economia azul, como parques eólicos e à exploração turística do Delta do Parnaíba contrastam com a forma de vida das comunidades tradicionais, que tem como base a pesca artesanal.

A região ainda possui duas unidades de conservação, a Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba (BRASIL, 2000) e a Área de Proteção Ambiental – APA Delta do Parnaíba, unidade de conservação criada objetivando proteger o Delta do Rio Parnaíba, por meio da fauna, flora, dunas, recursos hídricos, melhoria de qualidade de vida dos moradores locais, preservação de suas culturas e tradicionalismo, assim como fomento da prática do turismo ecológico. Essa APA inclui territórios dos municípios de Ilha Grande e Parnaíba, mas também diversos outros municípios do Maranhão e Ceará (BRASIL, 1996)

Segundo dados do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica, em 2012, 190 famílias residiam nas Comunidades da Pedra do Sal e Ilha Grande. Há registros da população de pescadores e extrativistas na região desde o século XIX (DA SILVA & FAÇANHA, 2018), contudo os moradores da região não possuem legalmente a sua posse, que pertence oficialmente à família Silva, uma família historicamente ligada a cargos administrativos no estado do Piauí (SILVA, 1981).

Esse cenário faz com que o território venha acumulando conflitos socioambientais variados seguindo a lógica da economia azul. Há uma disputa  por território pesqueiro entre pescadores artesanais e pescadores industriais no período chuvoso, uma vez que os barcos industriais arrastam por longos períodos em áreas próximas da costa, destruindo pontos pesqueiros artesanais. Ameaças de perda de território tradicional pela especulação imobiliária também estão presentes, quando a região quase foi tomada por empreendimentos turísticos nos meados dos anos 2010, período em que os empreendimentos o “Pontal do Delta/Ecocity” e “Pure Resorts” tiveram suas licenças prévias liberadas, e previam a instalação de loteamentos e resorts para milhares de pessoas na região. Após intensa movimentação e estudos de impacto ambiental aprofundados demandados pelas comunidades locais, os empreendimentos turísticos não se efetivaram (REF. NOTICIA ILHA ATIVA).

Merece destaque, contudo, o uso do espaço para instalação de aerogeradores, fenômeno que já ocorreu e atualmente pode ser ter seu empreendimento expandido. A empresa Ômega Energia foi pioneira ao implementar, em 2012, um complexo eólico na região após licenciamento ambiental pela Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMAR – PI), possuindo atualmente dois parques eólicos em funcionamento na região, o Delta 1 e o Delta 2, gerando conflito socioambiental.

Este primeiro conflito levou a uma série de mobilizações por parte da sociedade civil, com participação central de organizações como a Comissão Ilha Ativa (CIA) e Associação de Moradores e Pescadores da Pedra do Sal. Os conflitos, contudo, permanecem até hoje, uma vez que a mesma empresa pleiteia a ampliação do complexo eólico, com a instalação de 52 novos aerogeradores nos municípios de Ilha Grande e Parnaíba, com o parque eólico Delta 10. As negociações vêm ocorrendo desde 2019, com constantes avanços e retrocessos. O empreendimento já recebeu Licença Prévia, porém devido a alterações no projeto que representam impactos permanentes, irreversíveis e de alta magnitude (segundo o parecer Parecer SEI nº 3/2020-GR-2/GABIN/ICMBio) a Licença de Instalação ainda está tramitação.  As organizações não governamentais mencionadas também recorreram ao Ministério Público Estadual do Piauí, que pediu que sejam feitas vistorias nos parques eólicos já instalados antes de continuar com o processo de licenciamento ambiental do Delta 10.

Enquanto a luta para evitar novos empreendimentos e mais instalações de parques eólicos continua, os impactos dos aerogeradores e da perda de território já vivida são sentidos cotidianamente pela comunidade local.  Moradores relatam que, após a implantação dos aerogeradores, a comunidade ficou inviabilizada de acessar os recursos naturais, essenciais para obtenção de seu sustento, o que gera dificuldades diárias, tais como o acesso a uma lagoa que se encontra na área do empreendimento, ou a outra que foi seccionada pelas obras, ou ainda a impossibilidade de extrair recursos da mata (DA SILVA & FAÇANHA, 2018).

Há ainda impactos mais sistêmicos relatados pelos moradores da Pedra do Sal, como a emissão de ruídos, apontado pela comunidade como um dos fatores que mais causa incômodo, bem como retirada de vegetação, soterramento de lagoas, destruição das paisagens naturais muito importantes para a comunidade, aplainamento de dunas, aumento do número de acidentes com pessoas e mudança de comportamento e hábitos da comunidade (IBIAPINA, 2019). A instalação de novos parques eólicos na região, como o Delta 10, acentuaria estes impactos.

A experiência dos moradores da Pedra do Sal e Ilha Grande mostra que a luta por território no Litoral Piauiense é constante, seja através de ação coletiva e pública organizada por associações comunitárias e ONGs ambientalistas, seja no cotidiano da pesca e da coleta em “propriedades privadas”.

Desse modo, a experiência dos moradores da Pedra do Sal mostra que a luta por território no Litoral Piauiense é constante. A instalação do Complexo Eólico Delta 10, ainda em tramitação, é o caso mais recente, que exige atenção e mobilização da sociedade, seja por formas de resistência cotidiana ou por organizações da sociedade civil. É marcante como mesmo no estado com o menor litoral do país é possível identificar a quem são destinados os danos ocasionados pelos modelos de desenvolvimento econômico hegemônico.

Figura 1 – Em primeiro plano, pescadores artesanais com suas canoas. Atrás, pode-se ver algumas casas de moradores e as grandes turbinas do Complexo Eólico da Pedra do Sal da Ômega Energia. Disponível em: http://a24horas.com/2/exclusivo-omega-energia-explica-o-que-parnaiba-ganha-com-os-complexos-eolicos-na-pedra-do-sal

Figura 2 – Complexo Eólico existente, em laranja, e planejamento do complexo eólico Delta 10, em pontos azuis e verdes. Retirado do Estudo de Impacto Ambiental OMEGA Energia, Complexo Eólico Delta 10 – Delta do Parnaíba, PI. Disponível em:  

http://www.semar.pi.gov.br/download/201907/SM31_66be5a8e4d.pdf

Referências:

SILVA, Alberto. Minha vida por um Piauí melhor. Brasília: s/e, 1981.

da Silva, S. R., & Façanha, A. C. SOBRE A INFRAPOLÍTICA DO CONFLITO AMBIENTAL: notas a partir de um caso no Litoral do Piauí. Dossiê: Trabalho, Identidade e Território entre Populações Camponesas e Tradicionais no Piauí. Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Parnaíba-PI, ano IV, n. 07. 2018.

IBIAPINA, Mayara Maia. PERCEPÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: um estudo sobre pescadores artesanais na Comunidade Pedra do Sal (PI). 2019.

Semar realiza audiência pública no povoado Pedra do Sal. Portal de Notícias da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí. 15 ago. 2019. Disponível em: http://www.semar.pi.gov.br/noticia.php?id=3164 Acesso em 07-jan-2021.

Comissão Ilha Ativa. Pontal do Delta/Ecocity: uma proposta de ecoturismo/resort ou um projeto de especulação imobiliária? Portal de Notícia Comissão Ilha Ativa. 7 ago 2017. Disponível em: https://www.comissaoilhaativa.org.br/2017/08/pontal-do-deltaecocity-uma-proposta-de-ecoturismoresort-ou-um-projeto-de-especulacao-imobiliaria/. Acesso em 07-jan-2021.

LIMA, José Auricélio Gois. A natureza contraditória da territorialização da produção de energia eólica no nordeste do Brasil (Tese de doutorado em Geografia, UFF). Niterói: 2019.

Parecer SEI nº 3/2020-GR-2/GABIN/ICMBio. Disponível em em https://sei.icmbio.gov.br/autenticidade informando o código verificador 8376885 e o código CRC 7124663B. Acesso em 05 de abril de 2021.

BRASIL. Decreto 16 de novembro de 2000. Cria a Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba.  Diário Oficial da União. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/DNN9084.htm acesso em 05 abr. 2021.BRASIL. Decreto de 28 de agosto de 1996. Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/Anterior%20a%202000/1996/Dnn4368.htm acesso em 05 abr. 2021.