Caso Bahia Terminais S/A – BA

Autores: Bianca Gabani Gimenez, Marcos Brandão

A Baía de Todos os Santos no estado da Bahia é um grande cenário de conflitos. Historicamente a perda do território sofrida pelos povos nativos se inicia com a colonização brasileira, tendo sido também o primeiro território de desembarque de africanos. Com o avanço do capital industrial, a partir de 1960, empreendimentos portuários, indústria petroquímica, naval e marinha se instalaram e, com a resistência das comunidades, os conflitos se intensificaram. Como parte desses conflitos e unidas a outras comunidades pesqueiras e quilombolas da Baía de Todos os Santos, cita-se o Quilombo Boca do Rio.

Essa comunidade está localizada na Baía de Aratu, município de Candeias (BA) (Figura 1). A comunidade tem origem ancestral de negros fugidos de engenhos de açúcar, remanescentes indígenas e por negros que permanceram no local após a abolição da escravidão. (CORDEIRO, 2020) A comunidade é legalmente reconhecida no Estado Brasileiro como Remanescente de Quilombo e com processo de tramitação no INCRA.

Figura 1. Localização da Comunidade Boca do Rio (Pin branco) e região afetada pelas atividades de instalação do Bahia Terminais S/A (destaque em amarelo). Imagem: adaptada do Google Maps.

Seu modo de vida tradicional engloba a pesca artesanal nos manguezais e bancos de areia da Baía de Aratu e áreas adjacentes por meio da pesca de peixes e coleta de crustáceos e mariscos. Há também atividades extrativistas como coleta de frutos, lenha, ervas medicinais, bem como a prática da agricultura familiar e a criação de pequenos animais. São detentores de tradições e conhecimentos ancestrais passados de geração para geração.(CPP, 2021)

O conflito e negação de direitos à comunidade é histórico. A comunidade relata que já perdeu frações do seu território em acertos entre a Marinha e herdeiros de antigos engenhos, devido à construção da Base Naval de Aratu. A área também sofre com os impactos socioambientais do Porto organizado de Aratu e das inúmeras empresas que integram e tangenciam este porto organizado (CPP, 2021). Fato que vem contribuindo com cenários de contaminação e degradação de fauna e flora.

Em setembro de 2020, a comunidade foi surpreendida pelo início das obras de construção do Terminal Portuário de Múltiplo Uso (TMULT) na Baía de Aratu, da empresa Bahia Terminais S/A, obra cujo Governo da Bahia cedeu Licença Ambiental. 

Houve uma recomendação por parte do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), ainda em setembro de 2020, de suspensão imediata do processo administrativo que autorizava as obras do Terminal Portuário. Segundo a promotora de Justiça: “além de implicar considerável supressão de vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, impactará diretamente na Baía de Todos os Santos, que também goza de proteção diferenciada”, se referindo à Área de Preservação Permanente (APP) de Manguezal no local destinado ao empreendimento (Figura 2). O local também conta com a Área de Proteção Ambiental Baía de Todos os Santos (APA BTS), unidade de conservação estadual e a Unidade de Conservação Municipal Prainha, protegida pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Candeias-BA. Na mesma recomendação foi solicitada também a suspensão da autorização de direito de uso dos recursos hídricos, autorização de supressão de vegetação e autorização para manejo de fauna, caso tenham sido deferidas no licenciamento ambiental, além da interdição de atividades de terraplanagem e dragagem em decorrência da instalação do TMULT.

Figura 2. Manguezal da Foz do Rio Aratu antes (à esquerda) e durante a instalação do empreendimento (à direita). Foto: [nome] 

Considerando um contexto em que, nos últimos anos, a pressão por parte do setor empresarial elevou demasiadamente os parâmetros para exigibilidade do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) no estado, a recomendação do MPBA cita que análises preliminares sinalizaram possível falha na avaliação pelo órgão licenciador quanto ao porte do empreendimento, concebido para ser um Complexo Portuário, o que poderá exigir, conforme o caso, EIA/RIMA. Somado à isso, o porto da Bahia Terminais foi licenciado sem submissão de licença prévia, violando o modelo trifásico de licenciamento. De maneira irregular, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) aproveitou uma licença prévia concedida para a extinta Superintendência de Desenvolvimento Industrial e Comercial da Bahia (SUDIC) – de caráter genérico e inadequado. 

Com a continuidade da instalação por parte do Bahia Terminais S/A, em fevereiro de 2021 o Ministério Público Federal (MPF) e o MPBA, de maneira conjunta, ajuizaram uma Ação Civil com objetivo de paralisar a supressão de vegetação nativa, terraplanagem de morros, aterros sob o mar, destruição de rios e fontes d’água e proteger os direitos territoriais e ambientais das Comunidades Quilombolas violadas, logrando êxito em alcançar uma medida liminar para paralisar a degradação. Ocorre que essa medida foi objeto de recurso por parte da empresa Bahia Terminais S/A e uma desembargadora da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) anulou a decisão protetiva concedida pelo juiz de primeiro grau, sem ouvir a parte contrária, dando ensejo à continuidade das ações degradantes, causando riscos irreparáveis ao meio ambiente e à coletividade. Ao mesmo tempo, a desembargadora julgou a Justiça Federal incompetente para processar o feito e determinou que os autos sejam remetidos para a Justiça Estadual. O Ministério Público Federal interpôs agravo interno contra a decisão da desembargadora e aguarda, até o momento, o julgamento pela 5ª Turma do TRF1.

Em paralelo às ações violentas da empresa Bahia Terminais, a Companhia de Docas do Estado da Bahia (CODEBA) ajuizou a ação reivindicatória, com objetivo de expulsar o quilombo Boca do Rio de seu território tradicional. Nesse processo, a Comunidade Boca do Rio é defendida pela Defensoria Pública da União (DPU) e conta com apoio do INCRA e da Fundação Cultural Palmares (FCP) na qualidade de fornecer subsídios às decisões dos tribunais.

Recentemente, o MPF determinou a realização de perícia antropológica com objetivo de instruir a atuação dos representantes do ministério público no referido processo. Estão sendo realizados levantamentos de dados antropológicos em pesquisas vinculadas à UNILAB e um Relatório Antropológico da Comunidade Quilombola Boca do Rio, dando início à elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), por parte da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) junto ao INCRA. Esses processos têm o objetivo de regularizar o território da comunidade quilombola Boca do Rio e terão um papel essencial na  visibilidade da comunidade e à referências históricas, possibilitando uma reparação efetiva a essas violações territoriais, aos direitos humanos e à dignidade desse povo tradicional.

Todo esse confronto judicial e intensificação da violação dos direitos territoriais despertou o espírito de luta do quilombo Boca do Rio, que passou a reivindicar direitos coletivos junto aos poderes públicos do estado e do município. A comunidade apresentou uma pauta de reivindicações para a prefeitura, exigindo reparação de muitos anos de exclusão de políticas públicas básicas, como: saúde, educação, transporte, habitação, saneamento e políticas de investimento nos processos produtivos locais.

Ao mesmo tempo, a integração do quilombo Boca do Rio com outras comunidades tradicionais afetadas pela atividade industrial na Baía de Aratu, bem como organizações da sociedade civil e ativistas em defesa de direitos humanos e socioambientais, impulsiona a luta comunitária e  fortalece a esperança de que as novas gerações do quilombo Boca do Rio possam ter dias melhores e honrar a memória dos ancestrais que mantiveram a comunidade viva até os dias atuais.

Referências 

CPP. Comunidade quilombola Boca do Rio lança campanha em defesa do território. 25 de março de 2021. Disponível em: http://www.cppnacional.org.br/noticia/comunidade-quilombola-boca-do-rio-lan%C3%A7a-campanha-em-defesa-do-territ%C3%B3rio. <acesso em 19 de abril de 2021>

CPP. Empresa Bahia Terminais descumpre decisão judicial que suspende licenciamento de porto em Candeias. GAMBA, 15 de março de 2021. Disponível em: https://www.gamba.org.br/noticias/empresa-bahia-terminais-descumpre-decisao-judicial-que-suspende-licenciamento-de-porto-em-candeias <acesso em 19 de abril de 2021>

CORDEIRO, P. R. DE O. A disputa entre o território tradicional quilombola-pesqueiro de Rio dos Macacos e o território militarizado da Marinha do Brasil. Vivência: Revista de Antropologia, v. 1, n. 53, 6 maio de 2020.

MIRANDA, M. MP recomenda ao Inema suspensão de processo que autorizou obras de Terminal Portuário na Baía de Aratu. MPBA, 08 de setembro de 2020. Disponível em: https://www.mpba.mp.br/noticia/53363. <acesso em 19 de abril de 2021>