O foco do produto do Time Pesca Sustentável reflete um dos maiores desafios para a gestão da pesca: o monitoramento e o controle da atividade pesqueira. Ambos foram executados minimamente no Brasil até recentemente, com as melhores metodologias disponíveis e minguados orçamentos. Porém, hoje possui uma deficiência que dificulta, até impede, qualquer tentativa de planejamento e gestão. Programas de monitoramento da pesca deveriam ser contínuos, mas o que se tem hoje é a execução de programas fragmentados e em maioria vinculados à compensação ambiental de grandes empreendimentos portuários ou de exploração de óleo e gás. A partir da experiência dos Volumes anteriores do Horizonte Oceânico Brasileiro e da conjuntura atual, o Time Pesca Sustentável do Programa HOB propõe refletir: “Qual a pesca que queremos para o futuro?”. Ou seja, o que é básico em termos de informações e subsídios para a gestão da pesca que queremos? O que almejamos em um cenário de justiça socioambiental, valorização da cadeia produtiva e fortalecimento cultural? Neste debate, o Time definiu que o seu capítulo do III Volume HOB traria o tema “Registro e monitoramento pesqueiro para todos!”.
Os métodos utilizados para diagnosticar e avaliar níveis de explotação dos estoques pesqueiros são complexos e a aplicação dos mesmos exige recursos humano e financeiro em longas séries históricas de dados sobre a composição das capturas, o nível e padrão do esforço, a densidade dos estoques e as condições dos ecossistemas e níveis tróficos. Os estudos que subsidiam o ordenamento da pesca, foram paulatinamente reduzidos até que se chegou à inadmissível situação em que não se tem coletado dados sobre a biologia e a pesca dos principais recursos pesqueiros no Brasil.
Diante deste quadro, entende-se como imprescindível e urgente o restabelecimento do cadastro dos trabalhadores do setor e das pesquisas que geram os dados necessários à avaliação dos padrões e níveis de explotação dos estoques pesqueiros. O time destaca, portanto, como prioridade de ação: o resgate e suporte a um programa contínuo de monitoramento e controle, levando em consideração as obrigações pela salvaguarda dos bens da União e pela gestão da exploração dos recursos pesqueiros. O futuro da pesca que queremos deve acompanhar e registrar a dinâmica da atividade pesqueira ao longo de toda a sua cadeia no sentido de valorizar a produção nas suas dimensões sociais, econômicas e ambientais.
“Monitoramento e Controle” significa contribuir com políticas públicas para a regulamentação da cadeia produtiva da pesca e suas atividades relacionadas como: cadastramento, fiscalização, monitoramento, rastreamento de embarcações, coleta, rastreabilidade de produtos da pesca (ex. sanidade pesqueira), armazenamento, processamento, análise e disponibilização de dados e informações sobre a atividade e a produção pesqueira e aquícola, para que o exercício da pesca e da aquicultura aconteça dentro de patamares produtivos, ambientalmente aceitáveis e socialmente justos.
Como atividades de competências do governo, o monitoramento e controle têm que contar com o efetivo compromisso e engajamento dos órgãos competentes. Os dados coletados, por sua vez, têm que ser acessados, consolidados e analisados em tempo hábil para permitir eventuais medidas corretivas necessárias. A participação e cooperação do setor produtivo neste processo é indispensável para o sucesso da gestão. É também indiscutível a necessidade de respeitar e considerar a diversidade e os saberes culturais de povos e comunidades tradicionais, o que facilitará o envolvimento e a coleta de dados contínuos e de qualidade sob a perspectiva de participação e do conhecimento das comunidades pesqueiras. Ainda, é necessário o reconhecimento da representatividade das organizações da sociedade civil – OSCs junto aos processos de tomada de decisão da pesca e aquicultura sustentável.
Destacamos os seguintes subtemas necessários para a devida implementação de uma política de monitoramento e controle da pesca visando a sustentabilidade da atividade em todos os aspectos (social, ambiental, econômico etc.):
O planejamento e metodologia aplicada envolvendo dois momentos, em que identificou entidades e instituições de apoio à pesca nos estados costeiros brasileiros, visando o fortalecimento da rede de amparo para pescadores e pescadoras. As redes mapeadas foram inseridas no Mapa Interativo do PainelMar. Os dados brutos são disponibilizados em planilha em um ficheiro virtual.
Em segundo lugar, a partir da interpretação de dados levantados por meio de entrevistas com atores-chave sobre modelos e iniciativas de monitoramento pesqueiro em diversas localidades e realidades do litoral brasileiro, buscamos compreender os pontos fortes e fracos, os resultados e os desafios e consolidar.
O Time Pesca Sustentável iniciou a construção do III volume HOB no mesmo momento em que a SAP/MAPA tornou público o SISRGP 4.0 – o recadastramento nacional de pescadores e pescadoras, disponibilizado em um processo 100% em sistema online, com exigências burocráticas que tornou muito difícil para inúmeras comunidades executar o recadastramento de maneira orgânica, abrindo a necessidade de apoio das Colônias de Pescadores, Associações e outras diversas instituições. Tal contexto trouxe à tona a preocupação com uma política e gestão pública da pesca excludentes, sem foco nos pescadores e pescadoras artesanais. Neste contexto, o Time concluiu que a ausência de ações amplas em monitoramento e controle para a coleta sistemática e contínua de dados e informações pesqueiras, que permita a condução de estudos sobre as dimensões sociais, econômicas e ambientais da pesca artesanal, tem impacto direto na eficiência de políticas públicas para o setor e apesar do reconhecimento que a ferramenta virtual criada (SisRGP 4.0) é um passo importante à modernização do sistema de registro ao longo da cadeia produtiva, houve uma sobrevaloração do sistema em detrimento de uma gestão eficiente e eficaz de uma política pública que deve ser inclusiva e implementada e executada por meio de processo transparente e acessível.
Autores
Barbara Heck (LEHPE/UFRGS, LEAC/UDESC e Fórum de Pesca do Complexo Lagunar)
Carlos Eduardo Villaça (CONEPE)
Cintia Miyaji (Paiche)
Dannieli Herbst (Projeto ERC Tradition)
Danieli Nobre (Conservação Internacional Brasil)
Felippe Abateppaulo (Olha o Peixe! e Oceano à Vista)
Giovanna Santini (PainelMar)
Henrique Kefalás (Instituto Linha D’Água)
Mariana Mattos (LAGECI/UFSC)
Mariana Clauzet (Ouvidoria do Mar e PPED-UFRJ)
Pedro Marques (Ouvidoria do Mar)
Ticiano Bruno (Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras -PEAC/UFS)
Sergio Mattos (TEIAPESCA)