Autor: Henrique Simões de Carvalho Costa
Movimentando cerca de um terço das trocas comerciais brasileiras, o Porto de Santos (SP) é o segundo maior porto da América Latina e Caribe, na avaliação da atividade portuária CEPAL 2018 [1], com 3.836.487 TEU, atrás somente do Porto de Colón no Panamá com 4.324.478 TEU (CEPAL 2018) . Apesar da importância no cenário de transações comerciais do país, o Porto de Santos é também fonte de constantes passivos socioambientais, envolvendo perda e contaminação de áreas estuarinas, além de grave ameaça aos territórios pesqueiros e à segurança alimentar de centenas de famílias.
Em abril de 2015, um incêndio atingiu 6 tanques da empresa Ultracargo, contendo um total 40 milhões de litros de álcool e gasolina e consumiu durante 9 dias, em operação de rescaldo até sua contenção, cerca de 8 bilhões de litros de água do estuário (Figura 1), além de 426.000 litros de LGE (Líquido Gerador de Espuma); 4.000 litros de Cold-Fire; 4.000 litros de F500, conforme Inquérito Civil[2], aberto pelos Ministérios Públicos, para investigação dos fatos. A água utilizada que retornou para o estuário, acrescida de líquidos antichamas tóxicos (DA SILVA et al., 2019) e a temperatura mais elevada, afetou a biota aquática da região, ocasionando, somente no período do incêndio, a morte de ao menos 9 toneladas de peixes de 142 diferentes espécies (ROTUNDO et al., 2015). Como consequência, houve também comprometimento da produção de pescadores artesanais. Após 4 anos e 1 mês do ocorrido, um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Parcial é assinado em um acordo extrajudicial com as empresas responsáveis, onde são previstas reparações a 2056 pescadores(as) e trabalhadores(as) ligados à atividade. A reparação consistiu no pagamento de 1 salário mínimo paulista por mês durante 1 ano para cada afetado e foi condicionada a uma contrapartida dos pescadores, de realizar práticas de manejo das 10 principais espécies de interesse comercial, com início em agosto de 2019, seguindo cartilha elaborada com períodos e locais onde cada espécie não deve ser pescada. O Termo acordado também prevê fundo para investimentos em infraestruturas e projetos de apoio à pesca.
Figura 1- Imagem aérea da operação de rescaldo com água e líquido anti-chamas. Foto: Diego Lameiro/ Corpo de Bombeiros da PMESP (DANIEL, 2018)
A atuação dos Ministérios Públicos na condução do processo de negociação com empresas responsáveis foi determinante em diferentes aspectos. Inicialmente, pela sensibilidade dos promotores de identificar no caso uma evidente situação de injustiça com pescadores, que tiveram suas pescarias interrompidas por determinação do poder público imediatamente após o incêndio, além de redução de suas produções até a recuperação do ecossistema. Depois, por delinearem para o caso, modelo de danos difusos e coletivos, utilizando-se de recursos, como o processo de autodeclaração previsto na Convenção 169[3] da Organização Internacional do Trabalho. As judicializações individuais contra as empresas responsáveis por danos materiais foram indeferidas pelos juízes por falta de relação causal entre os efeitos do incêndio e a produção de pescados dos afetados. Também foram determinantes, a promoção de audiências públicas com a presença das comunidades afetadas e reuniões participativas, para a elaboração das regras de manejo das principais espécies capturadas, como contrapartida dos afetados e para o recebimento da reparação.
A organização da sociedade civil e a Academia contribuíram, segundo testemunho de um dos autores deste capítulo, com a construção do acordo extrajudicial, constituído na medida em que trouxeram em diferentes momentos da negociação, aporte de conhecimento técnico-científico, para embasamento das decisões tomadas. Também foram importantes nos processos de identificação e consulta e na facilitação do diálogo entre instituições e comunidades afetadas, trazendo informações da negociação dos Ministérios Públicos com as empresas para os pescadores e levando informações e demandas dos pescadores para a mesa de negociações.
[1] Link
[2] IC 28/2015 (MPE) E 1.34.012.000220/2015-55 (MPF)
[3] Link
Referências:
DA SILVA, S.C; PUSCEDDU, F.H; DOS SANTOS BARBOSA ORTEGA, A; ABESSA, D.M.S.; PEREIRA, C.D.S.; MARANHO, L.A. Aqueous Film-Forming Foams (AFFFs) Are Very Toxic to Aquatic Microcrustaceans. WATER AIR AND SOIL POLLUTION, v. 230, p. 260, 2019.
ROTUNDO, M.M., Laranjeira, M.E., Cardoso, G.S. (2015). Incêndio na área portuária de Santos (SP): impacto sobre a diversidade de peixes. In: Anais XII Congresso de Ecologia do Brasil, São Lourenço, MG, Brazil.