Autor: Henrique Simões de Carvalho Costa
No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da Barragem de Fundão no Complexo Industrial de Germano, município de Mariana/MG, além de interromper a vida de 19 pessoas, causou o que pode ser considerado um dos maiores danos ambientais da História brasileira e mundial. Os 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica, segundo apuração do Ministério Público Federal, seguiram caminho de destruição pelo Córrego do Fundão, Córrego Santarém, até atingir o subdistrito de Bento Rodrigues. Já no rio Gualaxo do Norte, percorreu 55 km até o Rio Carmo, atingindo diversas comunidades ribeirinhas, tais como: Paracatu de Baixo, Camargos, Águas Claras, Pedras, Ponte do Gama, Gesteira. Após 22 km percorridos no Rio Carmo, o rejeito chega ao Rio Doce, onde segue por cerca de 540 km, até o distrito de Regência, município de Linhares/ES, onde encontra, no dia 21 de novembro, o Oceano Atlântico. Por este evento, repentinamente, milhares de pessoas tiveram suas vidas alteradas, pela falta de abastecimento de água ou pela perda em algum grau, dos demais serviços ecossistêmicos oferecidos pelo rio. O serviço de provisão de alimentos pela atividade de pesca artesanal, por exemplo, foi diretamente afetado e trouxe prejuízos, não somente a pescadores registrados ou não, mas também a toda cadeia de trabalhadores envolvidos com essa produção.
Em 54 municípios da bacia do Rio Doce exerciam a atividade 2997 pescadores registrados no SisRGP no mês anterior ao rompimento. Desses, 1100 no município de São Mateus, 765 em Linhares e 214 em Colatina (VIANA, 2016). Desse contingente pode-se destacar a presença de mulheres atuando nas pescarias assim como nas atividades relacionadas como na confecção e manutenção de redes ou no beneficiamento e comercialização do pescado (Figura 1). Por tratar-se de uma atividade instável e descontínua buscam estas mulheres estarem representadas e protegidas por legislações como vemos em atuação a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) na luta pelo reconhecimento e melhoria das condições de trabalho.
Figura 1- Ausimara Passos com o marido Seu Flôr tiveram que fechar a peixaria após o ocorrido em Regência, no Espírito Santo. Foto: Douglas Magno (matéria de 05/11/2017 – El País)
A descrição deste caso, traz à tona a questão sobre o grau de vulnerabilidade da população afetada e sua relação com a injustiça socioambiental sofrida. Deve-se considerar que o caso das mulheres pescadoras (ou envolvidas com a atividade da pesca) ganha outra dimensão de injustiça, uma vez que, além de pertencerem ao grupo vulnerabilizado dos pescadores artesanais, pertencem também ao grupo que historicamente sofre violência física e simbólica, por discriminação de gênero (MANESCHY et al. 2012). Caso pertençam ainda a grupo étnico discriminado, isto é, se são negras ou indígenas, além de mulheres e pescadoras, por exemplo, ainda maior é a injustiça que sofrem. Esses e outros casos assemelhados configuram, para muitos autores, exemplos irrefutáveis de racismo ambiental (PACHECO e FAUSTINO, 2013).
Felizmente, a pressão exercida por movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e por promotores dos Ministérios Públicos, o caso da Barragem do Fundão vem conquistando alguns avanços na reconstrução dessas vidas e rotinas de trabalho. Reparações e indenizações, que foram e estão sendo pagas pelos responsáveis aos atingidos, buscam minimizar um passivo socioambiental que, de fato, é irreparável, por tratar-se de perda de vidas e de valores simbólicos, associados a um território que não mais existe, por conta do ocorrido.
Referências:
MANESCHY, M.C.; SIQUEIRA, D.; ALVARES, M.L.M. Pescadoras: subordinação de gênero e empoderamento. Rev. Estud. Fem., Florianópolis , v. 20, n. 3, p. 713-737, Dec. 2012.
PACHECO, T. e FAUSTINO, C. “A Iniludível e Desumana Prevalência do Racismo Ambiental nos Conflitos do Mapa”. In: PORTO, Marcelo Firpo; PACHECO, Tania; LEROY, Jean Pierre. Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013. p.73-114.
VIANA, J.P. Os Pescadores da Bacia do Rio Doce: subsídios para a mitigação dos impactos socioambientais do desastre da Samarco em Mariana, Minas Gerais. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nota Técnica, 51 p. Brasília. 2016.