Pirambú – a capital do (conflito) do camarão

Beatriz Mesquita Pedrosa Ferreira
Ana Rosa da Rocha Araújo
Jaciara Moraes de Souza

Pirambú é um município costeiro distante 76 km da capital do estado de Sergipe (coordenadas -10,740967; -36,859133). O município possui uma população estimada de 9.359 habitantes e IDH 0,603 (IBGE, 2020). Historicamente descende de uma vila de pescadores, motivo pelo qual seu nome reflete um peixe comum na região, o pirambu. Sua economia é baseada na agricultura (coco-da-baía), pecuária e pesca, se destacando no estado em produção (Tabela 1). O município se destaca no litoral norte do Estado produzindo 1.065.520 kg de pescado, perdendo apenas para Aracaju, a capital.

Além disso, o Município é sede da Reserva Biológica de Santa Isabel, criada em 1988 com objetivo de preservar e recuperar os ecossistemas costeiros da região (45 km2 de praia) e também é importante área de desova de tartarugas, cujo Programa Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas, o TAMAR, lá instalou sua primeira base, em 1982. Sua plataforma continental é estreita e sofre influência da Bacia do Rio São Francisco, proporcionando a presença de fundos lamosos, habitat dos camarões.

A atividade pesqueira mais forte no município é a pesca de camarão, destacando-se o sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri). Os primeiros barcos de pesca direcionados à pesca de camarão chegaram ao município em 1976. Em 1981 havia 5 barcos. Por conta do declínio da pesca da lagosta na década de 90, barcos cearenses se deslocaram para outras regiões e 50 deles se estabeleceram em Pirambu e compuseram a frota camaroneira (SILVA, 2011). A região se transformou no principal porto de pesca de camarão da região. Em Sergipe o camarão sete-barbas, junto com os atuns, são os recursos pesqueiros mais importantes no ambiente marinho, sendo responsáveis por mais de 60% da produção e 55% dos recursos financeiros gerados ao estado por essa pesca (ARAÚJO et al, 2016).

Em 2019 os pescadores de camarão iniciaram uma batalha contra a instalação de uma indústria Termelétrica, CELSE, Centrais Elétricas de Sergipe S.A. (Figura 1), mais especificamente o “Complexo Termelétrico Barra dos Coqueiros – Instalação offshore de gás natural, adutora e emissário submarino”, que possui uma instalação marítima, dentre outros impactos, em local outrora destinado à pesca de camarão, ocupando o mesmo território (Figura 2) e impedindo a realização da atividade naqueles locais, um caso de injustiça socioambiental.

Em geral, os processos de implantação de projetos dessa natureza não consideram o uso tradicional dos territórios, excluindo as comunidades de decisões estratégicas para suas vidas.  Essa diferente visão de mundo e desenvolvimento do Estado, fundamentada na reprodução do capital (HARVEY, 2011) para com parte da sociedade, causa uma série de injustiças ambientais, configurando um típico caso de “injustiça azul” (BENNETT et al, 2021) . Além disso, as áreas costeiras e comunidades vêm sofrendo impactos que se acumulam como o desastre do petróleo de 2019 (citar o capítulo do HOB) e a pandemia do coronavírus.

Figura 1 – Macrolocalização do Complexo Termelétrico Barra dos Coqueiros

Fonte: CELSE (2017)

A pesca em Pirambu é realizada, em sua maioria, por frota motorizada, constituída de canoas e barcos de madeira, com comprimento variando de 5,0m a 10,0m, e de 7,5m a 15,0 m respectivamente, sendo os barcos arrasteiros responsáveis por mais de 90% dos desembarques em 2016 (ARAÚJO et al, 2016). A figura 2a apresenta as áreas utilizadas por essas embarcações. Além dos pescadores que realizam diretamente a atividade, participam ainda da cadeia os comerciantes de insumos e as mulheres que realizam o beneficiamento. Cada barco de pesca de camarão emprega diretamente 4 pescadores e 15 pescadoras, estas responsáveis por realizar o beneficiamento artesanal transformando o camarão em filé. 

Figura 2 – Áreas de pesca e Área Diretamente Afetada (ADA) pelo empreendimento Complexo Termelétrico Barra dos Coqueiros em Sergipe: (a) Frequência de eventos de pesca de barcos arrasteiros em Sergipe no ano de 2014 e (b) Área diretamente afetada pelo empreendimento.

(a)(b)






Fonte: ARAÚJO et al, 2016 (Figura 1(a)) e CELSE (2017) (Figura 1(b)). *retângulo em 1a) corresponde a área marcada em 1b.

Conflitos estão acontecendo na instalação do complexo. A movimentação de material para instalação do gasoduto gera impactos como: restrição às áreas de pesca, suspensão de sedimentos do fundo, restrição de passagem e aumento de custos de produção para os pescadores.

Impactos ambientais menos visíveis a curto prazo, também podem ser citados devido ao tráfego de navios e funcionamento do empreendimento: aumento de material em suspensão, turbidez e redução da transparência da água. Outros impactos como o descarte de efluentes e o efeito atrator a ser causado pela estrutura deverão impactar a pesca local.

A empresa não quer compensar os pescadores pela perda de território pesqueiro. Suas propostas, inseridas nas medidas mitigadoras ou compensatórias, como condicionantes das licenças concedidas nos processos de regularização do licenciamento ambiental federal, giram em torno da oferta de cursos e equipamentos de proteção individual. Porém, a necessidade local é de melhorias nos barcos, uma vez que as áreas de capturas mais próximas agora são áreas do Projeto da CELSE, tendo os pescadores que buscar áreas mais distantes aumentando seus custos.

Localmente esses pescadores se organizam em duas instâncias: a colônia de pescadores Z-5, fundada em 1911 e o Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Pirambu (CONDEPI), criado em 1986. Esse conselho foi formado pelos proprietários das embarcações por meio da Associação de pescadores de Pirambu. Essas instituições, com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe – UFS, elaboraram documentos e fizeram demandas à Diretoria de Licenciamento Ambiental (DILIC) do IBAMA, ainda sem resposta efetiva. 


Referências:

ARAÚJO, A. R. R et al. Boletim Estatístico da Pesca nos Litorais de Sergipe e Extremo Norte da Bahia – 2014. – São Cristóvão: Editora UFS, 2016.

BENNETT, N. J. et al. Blue growth and blue justice: Ten risks and solutions for the ocean economy. Marine Policy, 2021. v. 125, n. December 2020, p. 104387. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.marpol.2020.104387>. 

Centrais Elétricas de Sergipe S.A. (CELSE). Complexo Termelétrico Barra dos Coqueiros Instalações offshore de gás natural, adutora e emissário submarino. Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Aracaju, 2017.

IBGE. IBGE cidades (Pirambu). Disponível em: IBGE | Cidades@ | Sergipe | Pirambu | Panorama. Acesso em: 24/1/2020

HARVEY, D. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.

SILVA, G. M. Pesca em Pirambu-SE: Memórias e relatos. Anais do 1o Seminário Espaços Costeiros. Salvador, 2011.